This essay accompanies the futureplaces/Ephemera exhibition, October 18-31, 2016.
Original drawing by Maria José Abrunhosa.
Os estudantes do Porto lutaram contra a ditadura do Estado Novo desde o seu início. Durante muitos anos as lutas e reivindicações estudantis centraram-se na legalização das Associações de Estudantes, – no Porto, eram muito raras as escolas que tinham associações legalizadas, diferentemente de Coimbra e Lisboa, – na solidariedade com os movimentos nacionais de Lisboa e Coimbra, nas crises do decreto 40.900 (em 1956), nas lutas pelo Dia do Estudante em 1962, contra a repressão em 1965 e na crise de Coimbra de 1968/1969. O movimento estudantil do Porto não se distinguia dos movimentos de Lisboa e Coimbra e era essencialmente um movimento associativo e pró-associativo. No plano político apenas as estruturas do Partido Comunista existiam nas universidades enquadrando as lutas dos estudantes.
Depois de Maio de 1968, com as repercussões culturais e políticas desse movimento, acompanhadas por uma geração estudantil cujo percurso se inicia em meados dos anos sessenta, muito próxima na sua formação das revoltas estudantis alemãs, italianas, francesas, do esquerdismo maoista e trotsquista, e de movimentos contra-culturais como os hippies nos EUA, a nova música anglo-saxónica, aparece uma juventude que por todo o lado mudava e “subvertia” os costumes e as tradições políticas mais antigas. Nesse processo de influência, o movimento associativo do Porto tornou-se mais apropriadamente um movimento estudantil. É nesse processo que se forja uma identidade própria do movimento no Porto, mais próximo de Lisboa do que de Coimbra, mas acompanhando um processo de diversificação que abrange todas as universidades do país.
Este movimento estudantil é muito mais politizado e por isso mais dividido em grupos e tendências, mas no seu conjunto mais voltado para o combate político do que para a reivindicação corporativa. Os temas centrais são agora a guerra colonial, a democracia, o socialismo e o comunismo, o debate do conteúdo do ensino, o combate directo e sem ambiguidades contra a ditadura de Salazar e Caetano. Este processo de politização foi também um processo competitivo de posições e influência que no Porto envolveu antes do 25 de Abril organizações como o PCP, com as suas “organizações estudantis” que depois evoluíram para a UEC, cuja emanação semilegal era a “linha da unidade”; o Grito do Povo (mais tarde a OCMLP, com a organização dos CRECs) cuja emanação semilegal eram os Núcleos Sindicais de Base; e o PCP(ML) e a sua organização estudantil a UEC(ML) que actuavam com a sigla “Por um ensino ao serviço do Povo”. Havia alguns pequenos grupos anarquistas e trotsquistas, que assinavam os seus panfletos com frases como “Operários, estudantes, um mesmo combate” e outras, mas eram pouco significativos. Esta composição político na Porto era muito diferente da de Lisboa (onde o MRPP era muito activo) e de Coimbra, e isso deu ao movimento estudantil do Porto, aquilo que nunca tinha tido, uma identidade própria.
No Porto, como não havia praticamente espaços legais de reunião, as assembleias e os plenários centravam-se nas escadarias do antigo edifício da Faculdade de Ciências, actual Reitoria, principalmente no lado direito de quem entra. Por regra, a polícia chegava pouco depois do início da reunião e perseguia os estudantes com cargas policiais e prisões na Praça dos Leões. A repressão tornou-se cada vez mais grave á medida em que as Faculdades da Universidade do Porto se tornavam ingovernáveis pelas autoridades, de tal modo que, em vésperas do 25 de Abril, estavam completamente perdidas pelo regime da ditadura. Nenhuma actividade associada ao “mundo” da ditadura, incluindo a praxe que não tinha qualquer tradição no Porto, ou tentativas de organizar no Porto manifestações como o Festival dos Coros, deixou de poder realizar-se, umas vezes a bem outras a mal.
Exactamente por isso, um ano antes do 25 de Abril deu-se um enorme recrudescimento da repressão, culminando na prisão e multa de cerca de 400 estudantes, associada a processos disciplinares e invasões de instalações e apreensão de material de publicações e uma cada vez maior vigilância da PIDE.
Mas até ao dia 25 de Abril de 1974, o movimento estudantil do Porto permaneceu sempre indomado.